quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

"No dia em que eu saí de casa"

Ah, fala a verdade: você ouviu essa música no filme "Dois filhos de Francisco" e jura que é do Zezé di Camargo, né? Pode confessar... Não é pecado se enganar, mas não podemos nos deixar levar só pela interpretação, já que nem sempre o que o intérprete canta é a sua história, nem sempre o que o poeta escreve, ele sente... enfim, penso que em pleno século XXI, com tanta facilidade no acesso às informações, é uma vergonha pensar que é sempre o cantor quem compõe as músicas que canta. É o mesmo que pensar que o ator é como o personagem que ele interpreta.
"No dia em que saí de casa" ganhou o gosto popular com a gravação no filme que conta a história da dupla de Goiás e, por isso, tem sido muito associada especialmente ao Zezé di Camargo, que também é compositor, mas o que muita gente não sabe é que os versos dessa canção foram sim inspirados em uma partida, em uma história de um filho que deixou sua casa em busca de algo que talvez só encontre dentro de si mesmo, mas essa história é um cara que entende de adeus, apesar de, quem sabe, ainda não ter aprendido a dizê-lo. Por acaso vocÊ tem idéia de quem seja essa pessoa? Não? Ah... já falamos sobre ela aqui, mas merece que falemos novamente e eu resolvi fazê-lo, entre outras coisas, porque tenho visto muitas comunidades no orkut com o nome da música, algumas divertidas, fazendo uma brincadeira, outras referentes à dupla que a gravou, mas em nenhuma, exceto na criada há pouco pelo próprio compositor, eu vi um comentário sobre o compositor, nem sequer seu nome abaixo dos versos. Precisamos ser responsáveis em todos os nosso atos, até na hora de fazer uma brincadeira ou homenagem em um site tão popular como o orkut. Acho injusto que não seja divulgado o nome desse filho que deixou sua casa e foi para São Paulo viver de música e dar-nos de presente sua história cantada em versos. Agora já sabe de quem estou falando? Ainda não? Então direi com todo o prazer que "No dia em que saí de casa" é uma música do gaúcho Joel Marques, que é um dos grandes compositores da música brasileira e que merece aplausos por fazer poesia as coisas comuns.

Quer saber direitinho como foi o dia em que ele saiu de casa? Então confira essa história nas palavras do próprio poeta:

"No dia em que eu saí de casa, foi exatamente assim:
havia combinado com minha mãe que eu viajaria mesmo contra a vontade do meu pai, pois ela já não agüentava mais a minha falação na orelha dela quase todo dia, então no dia anterior combinamos que eu não iria trabalhar e tomaria meu rumo. Peguei uma mochila, daquelas que os hippies usavam, coloquei nela algumas roupas, e fui saindo devagar, minha mãe me acompanhava passo a passo, desde o quarto, passando pela sala, e finalmente na área, onde em muitos lugares conhece-se como alpendre, e ali paramos, eu a abracei, bem apertado, deu um nó na garganta mas a vontade de partir era tanta que esqueci de chorar, ela me segurou mais do que eu e logo depois eu desci as escadas, virei para trás e ela me olhava com lágrimas nos olhos (encho os olhos de lágrimas agora ao lembrar) querendo pedir talvez que eu não fosse, no entanto ela disse assim: meu filho, não conheço os caminhos por onde você vai, mas eu conheço muito bem os caminhos do mundo e sei, posso te dizer que não é nada fácil, você não vai ser o primeiro e nem será o último a deixar sua casa em busca de felicidade, nada será fácil, existirão dificuldades que você não conhece, pessoas que vão te abraçar e que nem sempre terá um abraço sincero, pessoas que vão te parecer rudes, mas que no fundo quem sabe poderão estar querendo ajudar, saiba distinguir umas das outras, respeite a opinião de todos, não seja mal educado com ninguém, saiba ouvir mais do que falar, seja leal aos amigos e honesto nos negócios, e, se por acaso, que Deus o livre, não der certo, volte meu filho, esta casa ainda é sua, sua cama vai estar arrumada, seu prato preferido e sua xícara que tanto gosta e só toma o seu café com ela vão estar na mesa. Não se preocupe que eu falarei com seu pai quando ele chegar do trabalho, e não deixe nada te tirar da rota, do teu objetivo, do teu sonho. Vá com Deus, o mundo está à sua frente, você jamais estará sozinho, estarei pensando e torcendo por você.
Que Deus o abençoe.

Que eu me lembre, depois de andar uns 100 metros, olhei pra trás, e ela estava lá, com aquele seu vestido simples e o avental branco amarrado na cintura, olhando e com certeza sabendo que eu precisava ir, mas querendo que eu ficasse.
Não sei se valeu a pena, talvez tenha perdido mais do que conquistado, mas a lembrança desse dia jamais saiu da minha memória. "


Emocionante, né?
Às vezes vamos tão longe e perdemos tantas coisas queridas para descobrir que tudo o que de verdade queríamos estava tão perto, quem sabe até dentro de nós mesmos.

Encerro essa postagem com um outro verso de Joel Marques: "...O mundo é uma roda gigante e não pára e a gente tá sempre perdendo pedaços e quebrando a cara..."

Quer sair de casa? Saia, isso é inevitável. Mas pense e pense muito no que está deixando para trás.

Beijos a todos!